Perigos da vida vitoriosa

Na vida verdadeiramente vitoriosa, o crente, uma vez revestido de toda a armadura de Deus (ver Efésios 6: 1 l), avança protegido pelo escudo da fé, com o qual fica apto para apagar todos os dardos inflamados do maligno (versículo 16).

A palavra de Deus fala de modo terminante sobre quão completa é a vitória que deve ser a experiência de cada filho de Deus que confia tal vitória nas mãos de Cristo. Não se trata de uma vitória momentânea e de reflexos constantes daí por diante, e, sim, de uma vitória que se prolonga de momento a momento, relacionada com o instante presente, quando o crente "afasta os olhos" de tudo o mais, fixando-os "em Jesus", o Autor e Consumador de nossa fé (ver Hebreus 12:2).

Porém, quão perigosa é essa vida! Satanás a odeia; pois é uma propaganda viva e encarnada da suficiência dAquele que o venceu, Jesus Cristo. Por conseguinte, confiar em Cristo para receber a vitória completa equivale a ser posto na primeira linha de trincheiras do conflito cristão; e essa primeira linha de trincheiras é um lugar muito perigoso quando se está sob o ataque do adversário. Não existe vida tão perigosa, neste mundo, como a vida vitoriosa, mas também não existe vida tão segura. Pois onde se fazem sentir mais terríveis os assaltos do adversário, mais eficazmente se demonstra a graça do Capitão de nossa salvação. Alguns desses perigos são tão subtis que precisamos de uma consciência sobrenaturalmente sensibilizada acerca desses perigos, se desejamos estar em segurança. A vida vitoriosa não é a vida isenta de tentações; pelo contrário é mais sujeita a tentações que alguém poderia ter. Nosso Senhor foi tentado, e eis que "O servo não é maior do que seu senhor..." (Bíblia, João 13:16)

Realmente, pode-se dizer com justiça que ninguém soube ainda o que significa ser realmente tentado, enquanto não tiver ousado confiar em Cristo sobre a vitória completa. Somente então se descarregam tentações como nunca antes haviam aparecido: desesperadoras, diabólicas, infernais, subtis, refinadas, grosseiras, espirituais, carnais – a gama inteira de todos os engodos e aviltamentos que o mundo, a carne e o diabo podem acenar à alma de um filho de Deus. Cristo, porém, vê todas essas coisas e posta-se como sentinela armada de nossas vidas, protegendo-nos contra elas; a Palavra de Deus desvenda a todas, e a "espada do Espírito" (ver Efésios 6:17) é a nossa arma de confiança, tal como foi a arma brandida pelo Senhor naquelas palavras vitoriosas, por três vezes repetidas: "Está escrito..." (ver Mateus 4:4,7, 10).

O segredo da vitória completa é a fé – tudo depende simplesmente de confiarmos que Jesus fez e está fazendo tudo. O crente pode entrar na vitória mediante um único acto de fé, tal como sucede na salvação. A vitória é mantida através da atitude da fé. Suponhamos, entretanto, que um crente, tendo experimentado o milagre da vitória sobre o pecado, por haver confiado na suficiência de seu Senhor, de algum modo chegue a duvidar dessa suficiência, imediatamente a vitória se interrompe e ele fracassa. E imediatamente, se esse fracasso se deveu à incredulidade, o crente fica sob tremenda ameaça. Eis que a mentira de Satanás será sussurrada em seus ouvidos: "Você pecou; e isso apenas prova que nunca recebeu, a bênção que julgava ter recebido; você jamais viveu a vida vitoriosa." Isso é pura mentira, naturalmente, como são todos os ataques de Satanás. 

O perigo que aqui jaz é duplo: poderemos pensar que nunca recebemos a bênção que julgávamos ter; ou então, poderemos imaginar que agora nos será mister algum tempo para que voltemos a desfrutar dessa bênção. Mas nosso Senhor quer que acreditemos em Sua purificação e restauração instantâneas.
"Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça" (Bíblia, 1 João 1:9)
Essa confissão pode ser proferida, no instante em que o coração se volta novamente para Deus, reivindicando a purificação prometida. Cada momento de demora, em que deixamos de confiar nEle quanto a isso, apenas agrava mais ainda nosso pecado, entristecendo e ferindo o Seu amoroso coração. Ainda que você falhe, grite: Vitória!" Não com a ideia de negar a realidade do pecado, mas sim, reconhecendo o fato que Jesus não fracassou, e que pode haver instantânea e completa restauração por meio da fé em Sua suficiência sem empecilhos. Existe ainda um outro duplo perigo: por um lado, a suposição que quanto mais tempo desfrutarmos da vitória, mais seguros estaremos; e, por outro lado, a suposição que se nossa vitória foi interrompida pelo pecado, então nos tornamos mais fracos, e menos certos da vitória permanente. Ambas essas ideias são perigosas e falazes. Tal perigo pode ser visto imediatamente, quando reconhecemos que Cristo, e Cristo somente, é a nossa vitória. Suponhamos que um de nós viva por dez anos desfrutando de vitória ininterrupta. Nesse caso, esse belo registro de dez anos em nada acrescentará ao poder de nosso Senhor Jesus Cristo; nem aumenta em coisa alguma a suficiência de Sua graça, posto que essa suficiência é infinita. Nosso Senhor e a Sua graça são o mesmo ontem, hoje e para todo o sempre (ver Hebreus 13:8).


Contamos com toda a Sua graça infinita operando em nosso favor e em nosso interior, a cada e a qualquer momento. Portanto, nosso contínuo registro vitorioso nada acrescenta à nossa certeza da vitória, enquanto nada acrescenta a Cristo, posto ser Ele apenas a nossa certeza de vitória. Em nós mesmos continuamos tão débeis e impotentes, tão pecaminosos e incapazes da vitória, após dez anos de vitória ininterrupta, como éramos no primeiro momento depois de havermos nascido do alto, na família de Deus. Nem mesmo o guerreiro veterano dessa vida vitoriosa está isento da possibilidade de cair na incredulidade, precipitando-se assim na derrota do pecado. É necessário, pois, que o crente fixe os olhos em Jesus Cristo, momento a momento, como seu único Salvador, tal como todo novo convertido deve fazer, desde que entrou na vida.

Algo parecido se pode dizer com relação ao fracasso: minha incredulidade e pecado resultante não podem enfraquecer ao meu Senhor, de maneira alguma. Uma vez que o crente Lhe confesse o seu pecado, tendo sido purificado e restaurado por Ele, o Senhor permanece sempre tão poderoso e omnipotente como se o crente nunca houvera falhado. Seremos resguardados desses dois perigos: de confiança exagerada devido à vitória contínua, e de temer enfraquecer devido à falha, se nos lembrarmos da Palavra de Deus a respeito de quão absoluta é a nossa vitória em Cristo. Tal vitória não é algo relativo, não é algo comparativo, não é uma questão de grau - mas é a liberdade com que o Filho liberta os homens (ver João 8:36). 

A própria alegria da vida submissa, quando a vontade de Deus é inteiramente aceite, traz consigo um outro perigo. Já se disse que quando Satanás descobre que não pode impedir a alguém de cumprir a total vontade de Deus, então procura levar esse alguém para além da vontade de Deus. E é muito perigoso para o crente ultrapassar a vontade de Deus, até mesmo em questões que por si mesmas sejam correctas. Satanás aproxima-se como anjo de luz (ver 2 Coríntios 11:4), sugerindo que o crente se atarefe nisto ou naquilo, coisas essas que por si mesmas seriam boas, mas que não são da vontade de Deus para com ele. O crente tem encontrado grande bênção ao dar ouvidos a voz do Espírito Santo, e por haver obedecido prontamente à Sua orientação; e quando Satanás fala, dando orientações e instruções que por si mesmas seriam correctas, o crente, sem de nada suspeitar, segue essas orientações; mas daí não surge bênção alguma, e, sim, a ansiedade, a confusão e, talvez, a dúvida e a perplexidade. Por exemplo: Deus nos orientará quando quiser que façamos confissão uns aos outros; e também nos orientará sobre quando Ele quiser que alguma falta seja questão que deva ser conhecida apenas por nós mesmos e Ele. Um princípio geral neste ponto é que todo pecado deve ser mantido entre nós mesmos e Deus, a menos que um terceiro venha a sofrer se não fizermos confissão.
Outro, quando rendemos toda a nossa vida ao controle do Senhor, tendo desistido do orgulho da carne, de todos os luxos e da auto-satisfação, então corremos o perigo do ascetismo. Ao descobrirmos que a nossa nova alegria se prende ao Senhor, e não a coisas, poderemos ser levados para além da vontade de Deus, caindo num ascetismo que apenas O desonra. Muitíssimos crentes inteiramente submissos ao Senhor, devido a esse engano, se tornaram indiferentes e descuidados com respeito à sua aparência pessoal, tornando-se simplesmente repelentes aos outros. Ou então, tendo sido libertados do pecado do luxo, os crentes podem ser levados a ultrapassar a vontade de Deus, supondo que cada pedacinho de ouro ou de prata que possuem precisa ser dado ou vendido, e que o que daí se apurar deve ser dado directamente para o serviço do Senhor. Precisamos manter um bendito meio termo entre os extremos do ascetismo e do luxo. Convém que cuidemos de nossa aparência pessoal, de nossa higiene, de nosso vestuário, para que sejamos atractivos para com nossos semelhantes; temos o dever positivo de sermos crentes de aparência atractiva, tanto nas vestes como na aparência pessoal, para que outros se sintam atraídos por nós, para que assim possamos conquistá-los para o Senhor. e mister que façamos tudo visando a glória de Deus (ver 1 Coríntios 10:31). Isso inclui tanto nossas diversões como todos os demais aspectos de nossa existência.Não devemos crer na mentira de Satanás de que tudo quanto é agradável ou atractivo é obrigatoriamente pecaminoso. Também precisamos de nos livrar da ideia errónea de que quando somos defrontados com a escolha entre algo que é difícil e algo que é fácil, que a coisa difícil é sempre a vontade de Deus, porquanto é bem possível que o oposto seja o que está de conformidade com nosso Senhor. Não há necessariamente qualquer virtude nas dificuldades, e não há necessariamente qualquer pecado nas coisas fáceis. A única inquirição que importa é esta: Qual é a vontade de Deus para connosco em cada questão com que nos defrontarmos?
"Amados, não deis crédito a qualquer espírito: antes, provai os espíritos se procedem de Deus..." (Bíblia, 1 João 4:l) Jamais devemos abandonar o bom senso que nos foi proporcionado por Deus, nessa vida cristã vitoriosa. Eis um modo de distinguirmos entre a orientação de Deus e os "impulsos" de Satanás, que nessas oportunidades se disfarça de "anjo de luz". Para o crente verdadeiramente submisso, que confia em Cristo para sua vitória, a orientação e o impulso de Deus nunca atormentam, nunca nos deixam preocupados, nunca nos assediam.

Se um crente recebe uma aparente "orientação", para que faça algo que em si mesmo é bom, mas que é acompanhada por um tormento desinquietador, quase como se um mosquito ou um besouro estivessem zumbindo, procurando empurrar-nos em determinada direcção, então devemos saber que isso é um sinal de Satanás, é o seu cartão de chamada; e nesse caso, sua falsa "orientação" e impulso precisam ser instantaneamente reconhecidos e rejeitados. As orientações do Espírito Santo, para o crente rendido e confiante, chegam até nós acompanhadas do senso de tranquilidade e quietude, ainda mesmo que apontem para alguma direcção realmente difícil, que somente a graça de Deus nos pode capacitar a seguir.


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